terça-feira, 29 de julho de 2014

Capítulo 1-Mansão De Vidro

Capítulo
Um

Um dia pode começar de várias maneiras. Essas maneiras variam de incrivelmente incrível a péssimamente horrível. O meu começou entre esses dois.
         Primeiro, era o que Odete vinha chamando de “O Grande Dia”. Odete é minha tia, a irmã da minha mãe... e eu tenho que morar com ela. Claro, senão preferiria ficar a quilômetros de distância!
         Minha mãe não morreu. Eu sei disso, por mais que Odete insista. Eu sinto que não.
         Odete depois chegou e falou, como se fosse super normal, enquanto eu tomava café:

         -Ah, Alexandra, chame sua mãe!
         Eu fiquei sem reação, bem quieta. Do que ela estava falando? Depois, fiz cara de quem não estava entendo nada e ela entendeu. Colocou as mãos na testa e tentou sentar no chão, arrastando na parede até chegar lá. Dobrou os joelhos, escondendo o rosto, e chorou.
         Odete faz isso sempre. Acho que, na verdade, é desde o desaparecimento de minha mãe, que ela continua insistindo que está morta.
         Ela sempre esquece que ela não está aqui, enfim, e faz alguma coisa assim.
         Minha tia soluçava com o choro. Sentei-me ao lado dela no chão, passei a mão pelos seus longos cabelos descoloridos, que atualmente só ficam presos em um coque caído, mas hoje milagrosamente estava solto. Realmente ela devia ter pensado que se tratava do “O Grande Dia” com minha mãe.

         -Não chora não, tia... –Tentei consolar.
         -Está tudo bem, tudo bem... –Ela falou.
         -Vem, levanta. –Levantei e estendi a mão para ela se apoiar. Odete tinha – e provavelmente vai ter para sempre­ – problemas no joelho e não conseguia se levantar com facilidade sem se apoiar em mil coisas. Ela já conseguiu até, em uma só tentativa, derrubar um jarro de suco, um prato de biscoitos, uma panela, três copos e pisou no rabo do gato dela!
         -Não precisava, querida... –Ela tentou agradecer da maneira que ela sempre faz.
         -Claro que precisava, tia! A senhora sabe que não consegue se levantar assim! –Eu tentei falar “Não foi nada!” da maneira como sempre faço.
         -Ah, Alex... –Ela me abraçou forte, como sempre fazia quando estava triste.
         -Está tudo bem, tia. Tudo bem... –Eu tentei acalmá-la. Uma pergunta repentina me veio na cabeça e eu tive que soltar –O que seria esse “O Grande Dia” com minha mãe? –Ela fez uma cara séria e ela se soltou de meu abraço, de repente, e seu tom de voz também ficou sério quando foi me responder.
         -Nada não. Coisa nossa. Um dia vai saber, não se apresse. –Resolvi ficar quieta, questionar minha tia é algo perigoso –Eu vou ali no supermercado rapidinho, ok? –Ela mudou de assunto.
         -Tudo bem, pode deixar! –Ela saiu.

         Fui para o meu quarto, mas parei na porta da cozinha, em um só movimento apertando a minha mão esquerda com a direita. A palma esquerda queimava forte, ardia muito, meus olhos estavam queimando de tanta força que eu os apertava pela dor.
         De repente, a dor parou. Sem aviso, sem diminuir. Subitamente e sem motivo.
         Encostei na parede, de olhos ainda fechados, mas levemente. Minha mão direita ainda apertava a esquerda, mesmo a dor tentando parado. Respirei fundo, e de olhos entreabertos peguei um copo da mesa. Dei dois passos em direção a geladeira para pegar água e ouvi:

         “Acalme-se. Está tudo bem.”

         Dei um grito, afinal, não tinha ninguém em casa, e a voz não era parecida com a de tia Odete, embora seja feminina. O gato dela, Chocolate, até apareceu e deu um miado agudo e curto. Choco é um vira-lata branco, totalmente de branco mesmo, apesar do nome.
         Embora ainda estivesse apenas alarmada, perguntei:

-Quem está aí? O que você quer? –O silêncio permaneceu até demais. Não ouvi mais o barulho dos carros na Avenida Paulista lá embaixo, não ouvi som do rádio de nossos vizinhos barulhentos, não ouvi nada. Era como se o som estivesse nulo. De repente, ouvi novamente, com um eco:

“Eu não quero seu mal, se acalme!”
-Acalmar? –Me enraiveci, não era nem um pouco normal falar com o nada e ele te mandar se acalmar –Como posso me acalmar?
“Então tudo bem. Não te falo o que sei...”
-Eu não quero saber. Seja lá quem for, me deixa! –Para minha surpresa, a voz respondeu:
“Vou deixar, mas ainda vai precisar de mim...”
-Não vou não! –Rebati, mas não responderam.

         Ouvi um barulho na porta e minha tia entrou na cozinha, carregando algumas sacolas de compras.

         -Voltei! Tudo bem? –Fiquei em dúvida se deveria falar alguma coisa, então apenas respondi:
         -Sim, tudo bem! –E entrei rapidamente no banheiro, rodando as chaves para trancar o máximo de vezes possíveis.
        
         Encostei novamente na parede, suspirando. Será que eu realmente deveria ser aquilo? O que teria acontecido para a palma de minha mão arder tanto assim? Teria algo com a voz maluca?
         Arriscando, fechei forte os olhos e abri a mão. Depois, fui abrindo os olhos devagar, e ficando boquiaberta também.
         Como uma tatuagem, uma marca, algo assim. Um círculo com um círculo no centro, com várias linhas ligando ele ao aro. Não sei o que significa, mas apareceu de repente, então tem um motivo.

         Nem me desesperei tanto e só pensava em uma coisa: Tia Odete deve saber.
 
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