Capítulo
Dois
Saí
do banheiro ainda
com uma cara de assustada. Estava descabelada e com os olhos arregalados até
agora, então assim que entrei na cozinha tia Odete logo perguntou:
- O que houve?
–Ela também arregalou os olhos assustada, imagino o tanto descabelada que eu
estava.
- Calma, tia.
Se acalme. –Eu falei devagar e guiei ela até uma cadeira. Assim que ela se
sentou, peguei o mesmo copo que encheria de água se não tivesse ouvido aquela
voz, e dessa vez enchi mesmo, e entreguei a ela, que bebeu bem lentamente,
fazendo uns barulhos esquisitos.
- O que
aconteceu? –Ela perguntou na metade do copo, percebendo que havia algo de
errado. Ou talvez minha cara de desesperada revelasse isso.
- Vou ser direta... –Falei logo.
Ela fez uma expressão confusa e eu virei a mão, mostrando a palma direita. Na hora,
seus olhos se arregalaram tanto que parecia que iriam saltar da órbita.
- Não... não pode... é muito
perigoso... não poderia ser uma Mivitrus, quem sabe? Mas não... é realmente a
Alex... –Ela rodava em volta de uma cadeira, em círculos contínuos, com os
olhos ainda menos arregalados, porém em menor intensidade. Claro, era super
estranho.
De repente ela parou e ficou
olhando para o nada. Seus olhos voltaram ao normal, então reconheci sua
expressão: tia Odete estava pensando. E isso não era bom, nem um pouco.
- A não ser que... não temos outra
escolha. –E se virou para mim –Agora. Arrume as suas coisas, vai ter que ir.
- Ir? Para onde? Fazer o que?
- Só arruma que nós vamos.
Nem parei para pensar, só entrei
no quarto e fui colocando minhas coisas em uma mochila.
Saí ainda sem pensamentos demais,
apenas pensando “O que está acontecendo, afinal?”. Tia Odete também não dizia o
que estava acontecendo, ficava em silêncio. Ela só levava uma bolsa vermelha
desbotada que sempre usa, com suas mil canetas e bilhetes com coisas que
aconteceram há anos.
Segui ela para fora, em silêncio no
elevador e em silêncio em meio ao barulho de carros da Paulista. Em silêncio até
o metrô, que é um pouquinho longe do apartamento,em silêncio no ônibus, em silêncio
até o aeroporto de Guarulhos. Aí sim, perguntei:
- O que está acontecendo, tia? –Ela
me olhou meio séria.
- Irá descobrir. Estarão de
esperando quando chegar em Nova York. –Super normal, não acha? Por isso agi de
maneira normal e gritei:
- O QUE? NOVA YORK? SEM MAIS NEM
MENOS? FAZER O QUE EM NOVA YORK? E VOCÊ NÃO VAI? –Viu como sou controlada?
- Se acalme! Não é o fim do mundo!
–Eu respirei fundo, tentando realmente acalmar.
- Vai para uma escola interna. Um
internato para... adolescentes com encrencas. –Novamente, agi bem calmamente a
isso:
- UM INTERNATO DE CRIANÇAS PROBLEMÁTICAS?
–Dessa vez, parei de andar, e a balconista de uma cafeteria até parou para ver
o que estava acontecendo. Minha tia fez cara feia para ela, que votou
imediatamente ao seu trabalho. Depois, fez a mesma cara feia para mim e voltou
a andar. Achei que tivesse me ignorado, mas logo respondeu:
- Não, não é um internato de
crianças problemáticas, é uma escola interna para adolescentes com encrencas !
- Então, tia! Em outras palavras,
INTERNATO PARA CRIANÇAS PROBLEMÁTICAS! Por que eu vou para lá? E em Nova York ? No Brasil não tem nenhuma?
- Não a que sua mãe falou. –Minha mãe?
O que minha mãe falou com ela? E pra que ela falou com Odete sobre internato
americano para adolescentes se eu só
tinha seis anos ?
- E eu achava que São Paulo tinha
de tudo... –Claro, ela olhou para mim com aquela cara de novo.
- A que você vai é especial.
Diferente. E lá o ensino que sua mãe escolheu para você não tem igual em lugar
nenhum do Brasil.
- Especial? Vai me dizer que
ensinam magia lá? Peraí, eu vou para Nova York? Hogwarts não é lá! –Ironizei.
Claro, tia Odete não gostou e voltou com aquele olhar repreensivo dela. Não
falou nada até chegarmos na sala de embarque, quando ela respondeu sem mudar o
olhar:
- Não, você NÃO vai para a escola
do Harry Potter e também NÃO vai aprender magia! –Ela destacou claramente os “nãos”.
- Então o que essa escola tem de
especial? É uma escola de vampiros? –Brinquei de novo, e senti o olhar
reprovador dela.
- Se eu fosse você, começava a
agir como uma garota de quatorze de
verdade, e por sinal educada e
que não faz piadinha idiota. Eles tem
um sistema de ensino bem rígido por lá. –Ela me deu esse “conselho” em vez de
responder a pergunta, além de um panfleto da escola, que eu joguei no lixo logo
em frente.
- Se eu for para a diretoria
quantas vezes consigo ser expulsa? –Perguntei, ainda na brincadeira, e como recompensa ganhei outra bronca:
- Se for expulsa de lá, não fica na
minha casa! Isso foram ordens de sua mãe, mocinha! –Não tinha ouvido ela falar
nesse tom de voz bravo desde os nove anos, no clube, quando me escondi no
banheiro em uma brincadeira e não saí até tia Odete me encontrar. Até aí, ela já
tinha reunido os seguranças do lugar, chamado a polícia e os bombeiros.
- Pode deixar. –Apenas respondi,
sem fazer piadinha.
Logo o avião chegou, e depois da
papelada toda que tia Odete fez questão de conferir cinquenta vezes se tinha
preenchido, embarquei. Assento 27, na janela. Não tinha ninguém ao lado, ótimo!
Assim que sentei, chegou uma
aeromoça e perguntou:
- Alexandra Fairiengel? –Sim,
exatamente com aquele sorrisinho bobo que toda aeromoça dá.
- Sim? –Tentei parecer simpática.
- Vou te acompanhar durante o voo,
tudo bem? –Tinha me esquecido desse “pequeno” detalhe. Suspirei e tentando ser
simpática respondi:
- Tudo. –Ela se sentou no assento
do corredor, ainda sorrindo.
- Então, quantos anos você tem?
- Quatorze. –Peguei meus fones da
mochila, meio que ignorando o fato dela querer puxar conversa.
- Eu sou Milene, eu tenho vinte e
três.–Ela ficou quieta um pouco, parecia estar pensando –Seria demais perguntar
o que vai fazer em Nova York? –Nem pensei e fui logo respondendo.
- Minha tia
encrencou em me colocar em um internato para “adolescentes com encrencas”, nas
palavras dela. –Ela sorriu de uma maneira muito menos forçada.
- Nossa, o que
você aprontou? –Ela brincou.
- Nada. Ela que
falou que minha mãe disse que era para eu estudar lá. Isso quando eu tinha seis
anos! –Ela ria de um jeito engraçado. O avião finalmente decolou, e por algum
motivo senti que isso não era bom.
- Que doideira...
para qual internato vai?
- Sei lá, ela
me entregou um panfleto, mas eu joguei fora... –Me arrependi agora de ter feito
isso... era “Bendler” e mais alguma coisa.
- Bendlerwood?
- Isso! Como
sabe?
- Já estudei lá,
e uma menina da sua idade foi para lá semana passada... Lorena, uma garota de
cabelo rosa, apronta todas pelo o que me contou... –Ela olhava para o teto,
como se estivesse pensando. Aí que parei para prestar atenção nela: morena, de
cabelo cacheado com uma mecha azul na frente. Usava um brinco de argola grande,
tinha os olhos verde escuros e usava batom vermelho muito forte.
- Estudou lá?
- Sim, dois
anos. No terceiro, fui expulsa, aprontei umas boas lá. –Ela continuou a contar,
e eu não parava de prestar atenção nos detalhes dela, e nem ouvi o que dizia.
Meu olhar parou em sua mão esquerda, que estava virada, mas consegui ver uma
pequena marca de fora. Não resisti e perguntei:
- O que é isso?
–Ela seguiu meu olhar e arregalou os olhos quando viu que eu olhava para a mão.
- Tatuagem. –Ela
desvirou a mão e pude ver. Era igual, até os últimos detalhes, a minha marca.
Foi minha vez de arregalar os olhos. Como isso é possível?
- Só vou te
dizer uma coisa... –Ela começou –A sala 10 do terceiro andar de Bendlerwood não
é recomendável de se esconder em um baile. E a resposta não é “Filosofia de
Goblinwand”.
- Mas o que...
- Mirele! –Uma outra
aeromoça apareceu ao nosso lado –Estamos precisando de você lá dentro. Depois
outra pessoa fica com a senhorita Alexandra. –Ela nem se despediu, só me deu um
olhar “lembre do que eu falei” e saiu.
Se eu entendi
alguma coisa? Não.
Mas mesmo assim, anotei em um
papel: “A resposta não é Filosofia de Goblinwand” e guardei na mochila.
Muito curiosa!!! Adorei o capítulo. Você escreve muito bem ;)
ResponderExcluirBeijos Gio.
Que bom que gostou!! Agradeço o elogio <3
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